Não obstante porém toda essa modéstia e humildade transiuzia-lhe, mesmo a despeito dela, no olhar, na linguagem e nas maneiras, certa dignidade e orgulho nativo, proveniente talvez da consciência de sua superioridade, e ela sem o querer sobressaía entre as outras, bela e donosa, pela correção e nobreza dos traços fisionômicos e por certa distinção nos gestos e ademanes. Ninguém diria que era uma escrava, que trabalhava entre as companheiras, e a tomaria antes por uma senhora moça, que, por desenfado, fiava entre as escravas. Parecia a garça-real, alçando o colo garboso e altaneiro, entre uma chusma de pássaros vulgares.
As outras escravas a contemplavam todas com certo interesse e comiseração, porque de todas era querida, menos de Rosa, que lhe tinha inveja e aversão mortal. Em duas palavras o leitor ficará inteirado do motivo desta malevolência de Rosa. Não era só pura inveja; havia aí alguma coisa de mais positivo, que convertia essa inveja em ódio mortal. Rosa havia sido de há muito amásia de Leôncio, para quem fora fácil conquista, que não lhe custou nem rogos nem ameaças. Desde que, porém, inclinou-se a Isaura, Rosa ficou inteiramente abandonada e esquecida. A gentil mulatinha sentiu-se cruelmente ferida em seu coração com esse desdém, e como era maligna e vingativa, não podendo vingar-se de seu senhor, jurou descarregar todo o peso de seu rancor sobre a pessoa de sua infeliz rival.
- Um raio que te parta, maldito!
- Má lepra te consuma, coisa ruim!
- Uma cascavel que te morda a língua, cão danado! - Estas e outras pragas vomitavam as escravas resmungando entre si contra o feitor, apenas este voltou-lhes as costas.
O feitor é o ente mais detestado entre os escravos; um carrasco não carrega com tantos ódios. Abominado mais do que o senhor cruel, que o muniu do azorrague desapiedado para açoitá-los e acabrunhá-los de trabalhos.