- Podes dizer o que quiseres, Rosa; mas eu bem sei, que na sala ou na cozinha eu não sou mais do que uma escrava como tu. Também deves-te lembrar, que se hoje te achas aqui, amanhã sabe Deus onde estarás. Trabalhemos, que é nossa obrigação. Deixemos dessas conversas que não têm graça nenhuma.
Neste momento ouvem-se as badaladas de uma sineta; eram três para quatro horas da tarde; a sineta chamava os escravos a jantar. As escravas suspendem seus trabalhos e levantam-se; Isaura porém não se move, e continua a fiar.
- Então? - diz-lhe Rosa com o seu ar escarninho, - você não ouve, Isaura? são horas; vamos ao feijão.
- Não, Rosa; deixem-me ficar aqui; não tenho fome nenhuma. Fico adiantando minha tarefa, que principiei muito tarde.
- Tem razão; também uma rapariga civilizada e mimosa como você não deve comer do caldeirão dos escravos. Quer que te mande um caldinho, um chocolate?...
- Cala essa boca, tagarela! - bradou a crioula velha, que parecia ser a priora daquele rancho de fiandeiras. - Forte linguinha de víbora!... deixa a outra sossegar. Vamos, minha gente.
As escravas retiraram-se todas do salão, ficando só Isaura, entregue ao seu trabalho e mais ainda às suas tristes e inquietadoras reflexões. O fio se estendia como que maquinalmente entre seus dedos mimosos, enquanto o pezinho nu e delicado, abandonando o tamanquinho de marroquim, pousava sobre o pedal da roda, a que dava automático impulso. A fronte lhe pendia para um lado como açucena esmorecida, e as pálpebras meio cerradas eram como véus melancólicos, que encobriam um pego insondável de tristura e desconforto. Estava deslumbrante de beleza naquela encantadora e singela atitude.
- Ah! meu Deus! - pensava ela; nem aqui posso achar um pouco de sossego!... em toda parte juraram martirizar-me!... Na sala, os brancos me perseguem e armam mil intrigas e enredos para me atormentarem.