Quem canta como V. Ex.ª não deve acanhar-se, e eu por minha parte peço-lhe encarecidamente que não cante outra coisa, senão aquela maviosa canção da escrava, que outro dia a surpreendi cantando, e afianço a V. Ex.ª que arrebatará os ouvintes.
- Por que razão não pode ser outra? essa desperta-me recordações tão tristes...
- E é talvez por isso mesmo, que é tão linda nos lábios de V. Ex.ª.
- Ai! triste de mim! - suspirou dentro da alma D. Elvira: - aqueles mesmos que mais me amam, tomam-se, sem o saber, os meus algozes!...
Elvira bem quisera escusar-se a todo transe; cantar naquela ocasião era para ela o mais penoso dos sacrifícios. Mas não lhe era mais possível relutar, e lembrando-se do judicioso conselho de seu pai, não quis mais ver-se rogada, e aceitando o braço que Álvaro lhe oferecia, foi por ele conduzida ao piano, onde sentou-se com a graça e elegância de quem se acha completamente familiarizada com o instrumento.
Uma multidão de cabeças curiosas, e de corações palpitando na mais ansiosa expectação, se apinharam em volta do piano; os cavalheiros estavam ansiosos por saberem se a voz daquela mulher correspondia à sua extraordinária beleza; se a fada seria também uma sereia; as moças esperavam, que ao menos naquele terreno, teriam o prazer de ver derrotada a sua formidável êmula, e já contavam compará-la com o pavão da fábula, queixando-se a Juno que, o tendo formado a mais bela das aves, não lhe dera outra voz mais que um guincho áspero e desagradável.
A conjuntura era delicada e solene; a moça achava-se na difícil situação de uma prima-dona, que, precedida de uma grande reputação, faz a sua estréia perante um público exigente e ilustrado. Em tomo dela fazia-se profundo silêncio; as respirações estavam como que suspensas, ao passo que parecia ouvir-se o palpitar de todos os corações no ofego da expectação. Álvaro, apesar de conhecer já a excelência da voz de Elvira e sua maestria no canto, não deixava de mostrar-se inquieto e comovido.