Medindo o abismo que a separava de Álvaro, bem sabia que de nenhuma esperança podia alimentar-se aquela paixão funesta, que deveria ficar para sempre sepultada no íntimo do coração, como um cancro a devorá-lo eternamente.
No seu cálice de amarguras, já quase a transbordar, tinha de receber da mão do destino mais aquele travo cruel, que lhe devia queimar os lábios e envenenar-lhe a existência.
Já bastante lhe pesava andar enganando a sociedade a respeito de sua verdadeira condição; alma sincera e escrupulosa, envergonhava-se consigo mesma de impor às poucas pessoas que com ela tratavam de perto, um respeito e consideração a que nenhum direito podia ter. Mas considerando que de tal disfarce nenhum grande mal podia resultar à sociedade, conformava-se com sua sorte. Deveria, porém, ela, ou poderia sem inconveniente manter o seu amante na mesma ilusão? Com seu silêncio, conservando-o na ignorância de sua condição de escrava, deveria deixar alimentar-se, crescer profunda e enérgica paixão, que o moço por ela concebera?... não seria isto um vil embuste, uma indignidade, uma traição infame? não teria ele o direito, ao saber da verdade, de acabrunhá-la de amargas exprobrações, de desprezá-la, de calcá-la aos pés, de tratá-la enfim como escrava abjeta e vil, que ficaria sendo?
- Oh! isto para mim seria mais horrível que mil mortes! - exclamava ela no meio do angustioso embate de ideias que se lhe agitavam no espírito. - Não, não devo iludi-lo; isto seria uma infâmia... vou-lhe descobrir tudo; é esse o meu dever, e hei de cumpri-lo. Ficará sabendo que não pode, que não deve amar-me; porém ao menos não ficará com o direito de desprezar-me... uma escrava, que procede com lisura e lealdade, pode ao menos ser estimada. Não; não devo enganá-lo; hei de revelar-lhe tudo.