Maria Moisés - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 54 / 86

Estava ao pé de mim o nonagenário provedor da Misericórdia que me disse ter ainda conhecido aquele alegre ancião com a sua cabeça veneranda à gelosia de uma casinha da Rua de Água. Foi ele quem recolheu no convento das Teresinhas de Braga, aos quinze anos, Maria Moisés, quando já eram falecidos o desembargador e uma das irmãs, a madrinha da enjeitada.

Pelo que respeita a D. Maria Tibúrcia, não sei se me acreditam, mas a minha obrigação é atirar para aí com as pérolas da verdade sem me preocupar com o destino delas. D. Maria Tibúrcia, preenchidos os cinquenta e sete anos, casou com um mancebo, que estudava teologia moral com tanta incapacidade, que preferiu D. Tibúrcia, com 10 000 cruzados, ao Mestre Larraga com a ciência do céu. Este moço fazia sonetos e madrigais. Conhecia toda a simbólica das flores; mas não as comia como Esdras, a única pessoa, que eu saiba, que se sustentou catorze dias de flores. Manducabis solummodo de floribus, disse-lhe o anjo; deu-se bem o florífago, e – acrescenta Isidoro de Barreira – tornou a comer outros sete dias flores, e a sustentar-se. A idiossincrasia do marido de Tibúrcia não eram flores; era boi e leitão, frigideiras de Braga e morcelas de Arouca.

O desembargador quis pôr a irmã por demente; mas ela, que perfazia quatro emancipações completas, não lhe refilou os dentes, porque os não tinha, mas safou-se de casa e desmaiou cheia de pudor e denguice nos braços de seu bardo e marido.

A outra, D. Maria Filipa, injuriou-a até ao extremo de lhe dizer, cara a cara:

– Estás uma carcaça e queres casar! Não tens vergonha! Põe um cáustico nessa cabeça, doida!

Depois, fez testamento, e deixou 5000 cruzados a sua afilhada Maria Moisés, representados na quinta de Santa Eulália, na margem direita do Tâmega.





Os capítulos deste livro