A Vida Amorosa de Moll Flanders - Cap. 2: A vida amorosa de Moll Flanders Pág. 106 / 359

- Compreendo-o perfeitamente, mas é uma tremenda surpresa para mim. No entanto, sei de um remédio para o mal, um remédio que porá fim a todas as tuas dificuldades sem teres de voltar para Inglaterra.

- Seria estranho, como tudo o mais - comentei.

- Não, não, farei com que seja fácil; o único obstáculo sou eu.

Pareceu-me um pouco transtornado quando proferiu estas palavras, mas na altura não lhes atribuí muito significado, convencida de que, como se costuma dizer, os que fazem essas coisas nunca falam delas ou, se falam, nunca as fazem.

Em vez de barafustar, como receara, verifiquei que se tornava pensativo e melancólico e, numa palavra, um pouco transtornado da cabeça. Tentei tranquilizá-lo e levá-lo a propor qualquer plano para nos servir de orientação, e às vezes parecia-me sereno e falava com certa coragem da nossa situação. Mas a tragédia pesava-lhe de mais no espírito e por duas vezes atentou contra a própria vida. Numa delas chegou a estrangular-se e teria morrido se a mãe não entrasse no seu quarto no momento exacto e, com a ajuda de uma criada negra, não cortasse a corda e o reanimasse.

A situação da família tornou-se lamentável e a pena que ele me inspirava fez reviver o afecto que, ao princípio, sinceramente lhe dedicara; tentei com toda a alma e de todas as maneiras possíveis compor as coisas, mas a tormenta era demasiado grande, afectava-lhe a razão e provocou-lhe uma consumpção lenta e penosa, que, contudo, não foi de carácter mortal. Eu não sabia que fazer perante a sua angústia, pois a sua vida ia aparente- mente definhando e eu poderia, talvez, casar de novo lá, e com grande vantagem pessoal. A minha sorte teria sido, certamente, deixar-me ficar naquela terra, mas o meu espírito também estava inquieto e desassossegado, pois eu ansiava por regressar a Inglaterra e sem isso nada me satis- faria.





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