A Vida Amorosa de Moll Flanders - Cap. 2: A vida amorosa de Moll Flanders Pág. 213 / 359

A minha nova cúmplice e eu trabalhámos juntas durante tanto tempo sem que nos apanhassem que nos tornámos não só ousadas, mas também ricas, e chegámos a ter em nosso poder vinte e um relógios de ouro!

Lembro-me de que, um dia em que me sentia com disposição um pouco mais grave do que a habitual, ao verificar que a minha situação financeira era desafogada, pois tinha perto de duzentas libras em dinheiro, pensei, sem dúvida inspirada por algum espírito do bem, se é que tais espíritos existem, que tinham sido a pobreza e a angústia que me haviam arrastado para aquela terrível vida e que, sendo assim, agora, que os meus males estavam aliviados, podia manter-me com o meu trabalho, tanto mais que tinha um pecúlio tão substancial. Por que não me retiraria então, como se diz, enquanto a sorte estava comigo? Não podia esperar sair- -me sempre bem e, se alguma vez fosse desmascarada e capturada, estaria perdida.

Aquele foi, sem dúvida, o minuto feliz em que, se desse ouvidos ao bendito conselho, fosse qual fosse a sua origem, teria ainda probabilidades de levar uma vida tranquila. Mas o meu destino estava traçado, o demónio que me tentara tinha-me tão presa que não me permitia arrepiar caminho; a pobreza atolara-me na lama e a avareza mantinha-me nela, sem possibilidades de voltar atrás. Aos argumentos com que a razão tentava persuadir-me a desistir retorquia a avareza: «Continua, continua, tens tido muita sorte. Continua até juntares quatrocentas ou quinhentas libras; depois, sim, poderás retirar-te e viver sem dificuldades e sem precisares de trabalhar.»

Assim, encontrava-me presa, como que por um encantamento, às garras do meu demónio, sem forças para me libertar, até ser irremediavelmente apanhada no vórtice de complicações tão grandes que não haveria fuga possível.





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