Cerca de um mês depois veio visitar-nos de novo e encontrou-nos entregues mais ou menos às mesmas ocupações da primeira vez. Pegou num cachimbo, instalou-se numa cadeira e começou a conversar de coisas sem importância. Finalmente eu disse:
- Ora bem, G..., e que aconteceu afinal à carta roubada? Suponho que acabou por perceber que era impossível vencer o ministro.
- Diabos o levem, sim. E contudo voltei a passar a busca à casa como Dupin sugeriu, mas foi perder tempo e feitio, como eu já sabia que sena.
- De quanto disse que era a recompensa? - perguntou Dupin.
- Ui, muito! É uma recompensa muito liberal. Não quero dizer precisamente quanto; mas há uma coisa que lhes digo: é que não me importava de pagar do meu bolso cinquenta mil francos a quem me descobrisse a carta. O facto é que em cada dia que passa esta se torna mais importante; e a recompensa foi dobrada recentemente. Mas mesmo que a triplicassem, eu não podia fazer mais do que o que fiz.
- É... - disse Dupin em voz arrastada entre as baforadas de fumo do cachimbo. - De facto... penso, G... , que não fez o máximo que lhe era possível. Talvez pudesse... fazer um pouco mais... hem?
- Como? De que maneira?
- Bem - uma baforada -, talvez pudesse - mais baforadas - pedir conselho sobre o assunto, não? - três baforadas. - Lembra-se da história que contam de Abernethy?
- Não; diabos levem tal Abernethy.
- Está bem; diabos o levem se isso lhe dá prazer. Mas em tempos um sujeito rico e avarento resolveu cravar uma consulta à borla ao tal Abernethy. Para isso meteu conversa com ele no meio de um grupo de amigos e contou o seu caso ao- médico como se se tratasse do de um indivíduo imaginário.
»’Suponha’, disse o avarento, ‘que os sintomas eram assim e assado. Ora bem, doutor, que lhe aconselharia?’
»’Aconselhar?', disse Abernethy. ‘Que consultasse um médico, claro.’
- Mas - disse o prefeito um tanto ou quanto desconcertado - estou perfeitamente disposto a consultar alguém e a pagar a consulta. É verdade que dou cinquenta mil francos a quem me puder ajudar.