A queda da casa de Usher
Son coeur est un luth suspendu;
Sitôt qu'on le touche il résonne.
(O seu coração é um alaúde suspenso.
Mal o tocam, ele ressoa.)
DE BÉRANGER
Durante um dia carregado, sombrio e mudo do Outono desse ano, em que as nuvens pairavam no céu opressivamente baixas, atravessava sozinho, a cavalo, uma porção de campo estranhamente lúgubre; e acabei por me encontrar, ao caírem as sombras do final da tarde, à vista da melancólica Casa de Usher. Não sei como tal aconteceu, mas, mal pousei o olhar no edifício, apossou-se-me do espírito uma insuportável tristeza. Digo insuportável porque tal sensação não era sequer mitigada por qualquer desses sentimentos meio agradáveis, porque poéticos, com que o espírito normalmente acolhe mesmo as mais sombrias imagens naturais da desolação ou do terror. Contemplei o cenário que tinha diante de mim - a casa solitária e as características simples da paisagem da propriedade, as paredes fustigadas pelo vento, as janelas vazias que pareciam olhos, algumas junças luxuriantes e uns tantos troncos brancos de árvores definhadas - com uma extrema depressão de ânimo para a qual não encontro comparação mais adequada com alguma sensação terrena que não seja a que sobrevém ao sonho da orgia do ópio: a amarga queda na vida quotidiana; o medonho tombar do véu. Havia uma frieza glacial, um abatimento, um mal-estar, uma irremediável escuridão de pensamentos que nenhum aguilhão da imaginação poderia deturpar, transformando-o em algo de sublime. Que seria - detive-me a pensar -, que seria que tanto me desalentava na contemplação da Casa de Usher? Tratava-se de um mistério completamente insolúvel; tão-pouco conseguia lutar contra as nebulosas fantasias que me assaltavam enquanto meditava.