Capítulo 1: Ligeia
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ah, podeis ter a certeza, Jamais poderá ser esquecido! Com o seu Espectro para sempre perseguido Por uma multidão que o não alcança, Ao longo de um círculo que eternamente volta Ao mesmíssimo ponto, E muita Loucura e mais Pecado ainda E Horror são o âmago do enredo. Mas vede: por entre a multidão de mimos Irrompe uma forma rastejante! Algo rubro de sangue que em contorções se acerca Da solidão daquela cena! E torce-se e retorce-se; e em mortais agonias Os mimos lhe servem de alimento, E os serafins gemem ante os dentes do réptil Em codgulos humanos empapados. Apagam-se as luzes, todas elas! E sobre cada trémula figura O pano, uma mortalha funerária, Cai com o ímpeto de uma tempestade, E os anjos, todos pálidos, exangues, Erguendo-se e retirando os véus, afirmam Que a peça é a tragédia que se chama «Homem» E o seu herói o Réptil Vencedor. - Ó meu Deus - quase gritou Ligeia, erguendo-se de um salto e levantando os braços aos céus num movimento espasmódico, mal cheguei ao final destes versos. - Ó meu Deus! Ó Pai Divino! Terá isto de ser inapelavelmente assim? Não haverá este vencedor de ser alguma vez vencido? Não somos nós parte e porção de vós? Quem, afinal, conhece os mistérios da vontade, ou o seu vigor? O homem não se entrega aos anjos, nem totalmente à morte, a não ser pela fraqueza da sua débil vontade. E então, como que exausta devido à emoção, deixou cair os braços pálidos e regressou solenemente ao seu leito de morte. E, ao exalar os últimos suspiros, acercando eu o ouvido, distingui de novo as palavras finais da passagem de Glanvill: « O homem não se entrega aos anjos, nem totalmente à morte, a não ser pela fraqueza da sua débil vontade.
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