Quem não se surpreendeu cem vezes a cometer uma acção tola ou vil pela simples razão de saber que não se deve cometê-la? Não é verdade que temos uma inclinação perpétua, apesar da excelência do nosso julgamento, a violar aquilo que é lei, simplesmente porque sabemos que é a Lei? Este espírito de perversidade, dizia eu, veio a ser causa da minha derrota final. E esse desejo ardente insondável que tem a alma de se torturar a si mesma - de violentar a sua própria natureza - de praticar o mal por amor do mal- que me impeliu a continuar e finalmente a consumar a injúria que tinha infligido ao inocente bruto. Uma manhã, a sangue - passei um laço pelo seu pescoço e enforquei-o no ramo de uma árvore. Enforquei-o com as lágrimas a saltarem-me dos olhos e o mais amargo remorso no coração; enforquei-o porque sabia que ele me amava e porque sentia que ele não me dera razões de queixa; enforquei-o porque sabia que, ao fazê-lo, estava a cometer um pecado - um pecado mortal que comprometia a minha alma imortal a pontos de a colocar - se tal fosse possível - mesmo para além da misericórdia infinita do Deus Todo-Misericordioso e Terrível.
Na noite do dia em que cometi este acto terrível fui arrancado ao sono por gritos de fogo. As cortinas da minha cama estavam em chamas. Toda a casa era um braseiro. Foi com grande dificuldade que a minha mulher, uma criada e eu próprio escapámos ao incêndio. A destruição foi total. Toda a minha fortuna neste mundo desapareceu e daí em diante abandonei-me ao desespero.
Não sou tão fraco que vá procurar estabelecer uma relação de causa a efeito entre a catástrofe e a atrocidade. Estou, sim, a contar um encadeamento de factos - e não quero desprezar um único ele possível. No dia a seguir ao incêndio visitei as ruínas.
