O Homem da Multidão - Cap. 1: O homem da multidão Pág. 10 / 11

Tratava-se do bairro mais insalubre de Londres, onde tudo apresentava as piores marcas da mais deplorável miséria e do mais nefando crime. À luz difusa de um ou outro candeeiro, viam-se casas de madeira altas, antigas e corroídas pelos vermes, ameaçando desabar, e em tantas e tão caprichosas direcções, que mal se distinguia entre elas sombra de passagem. As pedras da rua estavam espalhadas ao acaso, deslocadas do seu lugar pela erva que crescia luxuriante. Nas valetas obstruídas apodrecia uma imundície horrível. Toda a atmosfera respirava abandono. No entanto, à medida que avançávamos, os som da vida humana iam-se reavivando gradualmente a um ritmo bem perceptível, e por fim começaram a ver-se grupos da gente mais abandonada da populaça de Londres, caminhando para um lado e para o outro. Registou-se um ligeiro fulgor de animação no estado de espírito do velho, como um candeeiro perto da hora de se extinguir totalmente. Mais uma vez avançou com passo elástico. De repente, ao virarmos uma esquina, um clarão bateu-nos subitamente no rosto e encontrámo-nos diante de um dos enormes templos suburbanos da Intemperança - um dos palácios do demónio Gim.

Era quase de madrugada, mas uma série de ébrios miseráveis apinhava-se ainda junto da ostentosa porta, uns entrando e outros saindo. Quase com um grito de alegria, o velho abriu caminho até ao interior, recobrou imediatamente a expressão inicial e começou a deslocar-se para trás e para a frente, sem objectivo aparente, no meio da multidão. Todavia, passado pouco tempo naquela ocupação, uma corrida em direcção às portas revelou que o proprietário ia fechar por aquela noite. Foi algo de mais intenso ainda que o desespero o que observei na fisionomia do indivíduo que tão pertinazmente espiava.





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