Um Episódio no Tempo do Terror - Cap. 1: UM EPISÓDIO NO TEMPO DO TERROR Pág. 13 / 21

Depois de respeitosamente cortejar o padre e as duas santas mulheres, desapareceu, testemunhando uma espécie de reconhecimento mudo, que foi compreendido por aquelas três almas generosas. Cerca de duas horas após esta cena, o desconhecido voltou, e bateu secretamente à porta do sótão, sendo introduzido em casa pela Menina de Beauséant que o conduziu ao outro quarto daquele modesto reduto, onde tudo fora preparado para a cerimónia; Para o meio de dois canos do fogão, as duas religiosas haviam trazido a antiquada cómoda, cujos velhos contornos desapareciam sob um magnífico pano de altar num tecido verde cambiante. Um grande crucifixo de ébano e de marfim, dependurado na parede pardacenta, fazia ressaltar-lhe ainda mais a nudez e necessariamente atraía os olhares. Quatro pequenos círios esguios que as umas haviam conseguido fixar em cima do altar improvisado, grudando-os com lacre, emitiam uma luz pálida, que a parede mal reflectia. Esta débil luz mal iluminava o resto do quarto; mas, realçando apenas as coisas santas, dir-se-ia um raio de luz vindo directamente do céu para aquele altar sem ornamentos, A vidraça estava coberta de humidade. O tecto, que dos dois lados descia quase até ao chão, como nos sótãos, apresentava rachas pelas quais se filtrava um vento glacial. Não havia nada menos pomposo, e no entanto nada talvez fosse mais solene" que aquela cerimónia lúgubre. Um profundo silêncio, que teria permitido ouvir o mais leve grito na estrada da Alemanha, espalhava uma espécie de majestade sombria naquela cena nocturna. Em suma, a grandeza do acto contrastava tão poderosamente com a pobreza das coisas que um sentimento de pavor religioso se desprendia de tudo aquilo. De cada lado do altar, as duas velhas reclusas, ajoelhadas no chão, sem se preocuparem com a humidade mortal que dele ressumava, oravam, com o padre, que, revestido dos seus trajos pontificais, depunha no altar um cálice de oiro guarnecido de pedras preciosas, vaso sagrado, salvo, sem dúvida, do saque da abadia de Chelles.




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