Capítulo 26: CAPÍTULO XXIV - Em que se prossegue a aventura da Serra Morena.
Página 233
Ao princípio fingia querer-se ausentar para lhes não sucumbir; agora procurava deveras ir-se, por enfastiado. Concedeu-lhe o Duque licença, dandome ordem de o acompanhar. Dirigimo-nos à minha cidade; recebeu-o meu pai como a quem era; eu vi logo a Lucinda, reviveram (se bem que nunca tinham estado mortos nem adormentados) os meus desejos, dos quais, por desgraça minha, dei conta a D. Fernando, por me parecer que nada devia encobrir a quem tanto afeto me mostrava. Exaltei-lhe a formosura, a graça, e a discrição de Lucinda; de tal maneira que, por estes meus elogios, nasceram nele apetites de conhecer donzela tão extremada. Satisfiz-lhos eu por desgraça minha, mostrando-lha uma noite à luz de um velador, por uma janela, por onde nos costumávamos falar os dois. Viu-a em saio, e tal impressão lhe fez, que todas as formosuras por ele presenciadas até àquela hora se lhe apagaram da lembrança. Emudeceu, perdeu o tino, ficou absorto, e tão enamorado, em suma, como ides ver no seguimento da minha desastrada narrativa; e, para lhe incender mais a cobiça, que a mim me ocultava, e que só segredava com o céu, quis a desgraça que ele achasse um dia um bilhete dela a mim, instando-me para que a pedisse eu a seu pai por esposa, em termos tão discretos, honestos e enamorados, que, apenas o leu, me disse que só em Lucinda se encerravam todos os requintes de formosura e de entendimento, que por todas as outras mulheres só andavam repartidos. Verdade é (devo agora confessá-lo), que, ainda que eu bem via com quanta justiça Lucinda era exaltada por Fernando, não gostava cá por dentro de lhe ouvir aqueles elogios. Comecei a temer-me, e não sem causa a desconfiar dele. Não se passava momento que ele não trouxesse Lucinda à prática, ainda que viesse
|