Capítulo 26: CAPÍTULO XXIV - Em que se prossegue a aventura da Serra Morena.
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Vendo que nada aproveitava, determinei declarar o caso ao Duque seu pai; mas D. Fernando, como astuto e discreto, temeu-se disto mesmo, por entender que era obrigação minha, na qualidade de criado fiel, não encobrir ao meu senhor o Duque coisa em que tanto ia a sua honra; e assim por me arredar de tal ideia, e enganar-me, me disse que não achava melhor remédio para perder a lembrança da formosura que tão sujeito o trazia, que o ausentar-se dela por alguns meses. Desejava (me disse ele), que partíssemos ambos para casa de meu pai, participando ele ao Duque ser para ir ver e enfeirar uns cavalos muito bons, que havia na nossa terra, que é onde se criam os melhores do mundo. Apenas tal lhe ouvi dizer, quando, movido da afeição que lhe tinha, lhe aprovei a ideia; e menos boa que ela fora, lha aprovara eu como uma das mais acertadas que se podiam imaginar, conhecendo quão boa ocasião se me oferecia para tornar a ver a minha Lucinda. Aprovei pois muito a sua lembrança, e esforcei-o no seu propósito, dizendo-lhe que o pusesse por obra com a possível brevidade, porque realmente a ausência fazia sempre o seu ofício até nos ânimos mais firmes. Quando ele me veio dizer isto, já tinha gozado da lavradora com o título de esposo, segundo depois se soube, e aguardava oportunidade para se descobrir mais a seu salvo, por temer ao presente os excessos em que o pai poderia romper sabendo do seu disparate. Sucedeu o que é de costume; nos moços o amor quase nunca o é; é sim um apetite, que, por se não endereçar senão ao deleite, apenas o obtêm, logo diminui e acaba. São estes uns limites postos pela própria natureza aos falsos amores; os verdadeiros seguem outra regra; estes duram sempre. Venho nisto a dizer que, tanto que Fernando teve a posse da lavradora, aplacaramse- lhe os desejos, e se lhe resfriaram os excessos.
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