Não há ninguém que em o sabendo não diga que fez muito bem, ainda que o leve o diabo. Tomara-me já em caminho só por vê-la, que a não vejo há já muitos dias, e deve a estas horas estar muito demudada, porque o andar sempre ao ar e ao sol estraga muito o carão das mulheres.
Uma verdade lhe confesso eu, senhor D. Quixote, e é que tinha vivido até aqui numa grande ignorância, porque entendia, e era capaz de o jurar, que a senhora Dulcinéia devia ser alguma Princesa, de quem Vossa Mercê estava enamorado, ou alguma pessoa tão de costa acima, que merecesse os ricos presentes que Vossa Mercê lhe tem enviado, tais como o do biscainho, o dos forçados das galés e outros, que muitos devem ser, segundo a quantia das vitórias que Vossa Mercê terá ganhado e ganhar, no tempo em que eu não era ainda seu escudeiro.
Mas agora, considerando bem, que proveito dará à senhora Aldonça Lourenço (quero dizer, à senhora Dulcinéia del Toboso) o irem-se lançar de joelhos diante dela, os vencidos que Vossa Mercê lhe envia e há-de enviar? porque poderia suceder que, na ocasião deles chegarem lá, estivesse ela tasquinhando linho ou malhando na eira, e eles se envergonhassem de a ver, e ela se risse e aborrecesse do presente.
— Já te tenho dito, e por muitas vezes, Sancho, — disse D. Quixote — que és um grande falador; e, ainda que de bestunto ronceiro, muitas vezes frisas em sutil; contudo para te convencer de quão rombo és tu, e eu discreto, quero que me ouças um breve conto:
— Certa viúva formosa, moça, livre e rica, e ainda por cima desenfadada, se enamorou de um rapaz tosquiado, roliço e de boa presença. O irmão mais velho dela, descobrindo aquela inclinação, disse-lhe um dia a modo de advertência fraternal:
“Maravilhado estou, senhora,