“Vossa Mercê, senhor meu, está muito enganado e pensa muito à antiga, se cuida que elegi mal em Fulano, por lhe parecer idiota, porque para o que eu o quero tanta filosofia sabe como Aristóteles, e até mais.” Assim, Sancho, para o que eu quero a Dulcinéia del Toboso, tanto vale ela como a mais alta Princesa do mundo. Olha que nem todos os poetas, que louvam damas debaixo de um nome que eles arbitrariamente lhes põem, as têm na realidade. Pensas tu que as Amarílis, as Fílis, as Sílvias, as Dianas, as Galatéias, e outras quejandas de que andam cheios os livros, os romances, as lojas de barbeiros, os teatros das comédias, foram realmente damas de carne e osso, e pertenceram àqueles que as celebram e celebraram? Decerto que não. As mais delas inventaram-nas eles para assunto dos seus versos, e para que os tenham por enamorados, e homens de valia para o serem. Segundo isso, baste-me também a mim pensar e crer que a boa de Aldonça Lourenço é formosa e honesta. Lá a sua linhagem importa pouco; não hão-de ir tirar-lhe as inquirições para dar-lhe algum hábito; para mim faço de conta que é a mais alta Princesa do mundo. Porque hás-de saber, Sancho, se o não sabes, que há duas coisas só, que mais que todas as outras incitam a amar: são a formosura e a boa fama; e ambas estas coisas são em Dulcinéia extremadas,