— Basta, senhor — disse Sancho — um pobre escudeiro, como eu sou, já não pode com o peso de tantas cortesias: monte meu amo a cavalo, tapem-me estes olhos, e encomendem-me a Deus, e digam-me se quando formos por esses ares posso encomendar-me ao Senhor e aos anjos que me favoreçam.
— Sancho — respondeu Trifaldi — podeis perfeitamente encomendar-vos a Deus ou a quem quiserdes, que Malambruno, apesar de nigromante, é cristão, e faz as suas nigromancias com muita arte e muito tento, sem se meter com ninguém.
— Eia, pois — disse Sancho — Deus me ajude e a Santíssima Trindade de Gaeta.
— Desde a memorável aventura das azenhas — tornou D. Quixote — nunca vi Sancho com tanto medo como agora; e se eu fosse tão agoureiro como muitos outros, a sua pusilanimidade havia de me fazer algumas cócegas na alma. Mas chega-te aqui, Sancho, que, com licença destes senhores, quero-te dizer à parte duas palavras.
E, levando Sancho para um arvoredo do jardim, e agarrando-lhe em ambas as mãos, disse-lhe:
— Já vês, Sancho, a longa viagem que nos espera, e sabe Deus quando voltaremos dela, e o tempo e a comodidade que nos darão os negócios; e assim, desejaria que te retirasses para o teu aposento, como se fosses procurar alguma coisa necessária para o caminho, e, num abrir e fechar de olhos, arrumasses em ti uma boa parte dos três mil e trezentos açoites, a que estás obrigado, pelo menos quinhentos, que sempre são uns tantos que ficam dados, que o principiar as coisas é tê-las meio acabadas.
— Por Deus — disse Sancho — Vossa Mercê não está em si; pois agora, que tenho de ir sentado numa tábua rasa, é que Vossa Mercê quer que eu esfole as pousadeiras? Verdade, verdade, isso não é razoável; vamos nós tosquiar estas damas, que à volta prometo a Vossa Mercê, como quem sou, que me hei-de apressar tanto a cumprir a minha obrigação, que Vossa Mercê ficará contente; e não lhe digo mais nada.