Muito pescam, mas não me espanto do muito; o que me espanta é que pesquem tanto, e que tremam tão pouco. Tanto pescar e tão pouco tremer!
Pudera-se fazer problema: onde há mais pescadores e mais modos e traças, de pescar, se no mar ou na terra? E é certo que na terra. Não quero discorrer por eles, ainda que fora grande consolação para os peixes; baste fazer a comparação com a cana, pois é o instrumento do nosso caso. No mar, pescam-se as canas, na terra pescam as varas (e tanta sorte de varas); pescam as ginetas, pescam as bengalas, pescam os bastões e até os ceptros pescam, e pescam mais que todos, porque pescam cidades e reinos inteiros. Pois é possível que pescando os homens cousas de tanto peso, lhes não trema a mão e o braço?! Se eu pregara aos homens e tivera a língua de Santo António, eu os fizera tremer.
Vinte e dois pescadores destes se acharam acaso a um sermão de Santo António, e as palavras do Santo os fizeram tremer a todos de sorte que todos, tremendo, se lançaram a seus pés, todos, tremendo, confessaram seus furtos, todos, tremendo, restituíram o que podiam (que isto é o que faz tremer mais neste pecado que nos outros), todos enfim mudaram de vida e de ofício, e se emendaram.
Quero acabar este discurso dos louvores e virtudes dos peixes com um, que não sei se foi ouvinte de Santo António e aprendeu dele a pregar. A verdade é que me pregou a mim, e se eu fora outro, também me convertera. Navegando de aqui para o Pará (que é bem não fiquem de fora os peixes da nossa costa), vi correr pela tona da água de quando em quando, a saltos, um cardume de peixinhos que não conhecia; e como me dissessem que os Portugueses lhe chamavam quatro-olhos, quis averiguar ocularmente a razão deste nome, e achei que verdadeiramente têm quatro olhos, em tudo cabais e perfeitos.