Sermão de Santo António aos Peixes - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 22 / 40

Este é o estilo da divina justiça tão antigo e manifesto, que até os gentios o conheceram e celebraram:


Vos quibus rector maris, atque terræ
Jus dedit magnum necis, atque vitæ;
Ponite inflatos, tumidosque vultus,
Quidquid a vobis minor extimescit
Maior hoc vobis Dominus minatur

Notai, peixes, aquela definição de Deus: Rector maris atque terrae. Governador do mar e da terra; para que não duvideis que o mesmo estilo, que Deus guarda com os homens na terra, observa também convosco no mar. Necessário é logo que olheis por vós e não façais pouco caso da doutrina que vos deu o grande doutor da Igreja, Santo Ambrósio, quando, falando convosco, disse: Cave nedum alium insequeris, incidas in validiorem. Guarde-se o peixe que persegue o mais fraco para o comer, não se ache na boca do mais forte, que o engula a ele. Nós o vemos aqui cada dia. Vai o xaréu correndo atrás do bagre, como o cão após a lebre, e não vê o cego que lhe vem nas costas o tubarão com quatro ordens de dentes, que o há-de engolir de um bocado. É o que com maior elegância vos disse também Santo Agostinho: Prædo minoris fit præda maioris. Mas não bastam, peixes, estes exemplos para que acabe de se persuadir a vossa gula, que a mesma crueldade que usais com os pequenos, tem já aparelhado o castigo na voracidade dos grandes?

Já que assim o experimentais com tanto dano vosso, importa que de aqui por diante sejais mais repúblicos e zelosos do bem comum, e que este prevaleça contra o apetite particular de cada um, para que não suceda que, assim como hoje vamos a muitos de vós tão diminuídos, vos venhais a consumir de todo. Não vos bastam tantos inimigos de fora e tantos perseguidores tão astutos e pertinazes, quantos são os pescadores, que nem de dia nem de noite deixam de vos pôr em cerco e fazer guerra por tantos modos?!





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