O Discurso do Método - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 63 / 71

E jamais percebi tampouco que, por meio das disputas que ocorrem nas escolas, alguém descobrisse alguma verdade até então ignorada, pois, na medida em que cada qual se esforça em vencer, empenha-se bem mais em fazer valer a verossimilhança do que em avaliar as razões de uma e de outra parte; e aqueles que foram durante muito tempo bons advogados nem por isso se tornam melhores juízes.

A respeito da utilidade que os outros obteriam da divulgação de meus pensamentos, não poderia também ser muito grande, sendo que ainda não os levei tão longe que não seja necessário acrescentar-lhes muitas coisas antes de aplicá-los ao uso. E creio poder afirmar, sem presunção, que, se existe alguém que seja capaz disso, hei-de ser eu mais do que outro qualquer: não que não possa haver no mundo muitos espíritos melhores que o meu, mas porque não se pode compreender tão bem uma coisa, e torná-la nossa, quando a aprendemos de outrem, como quando nós mesmos a criamos. O que é tão verdadeiro nesta matéria que, apesar de haver muitas vezes explicado alguns de meus conceitos a pessoas de ótimo espírito, e, enquanto eu lhes falava, pareciam entendê-las muito claramente, contudo, quando as repetiam, percebi que quase sempre as mudavam de tal maneira que não mais podia considerá-las minhas. Com essa intenção, prezo muito pedir aqui, às futuras gerações, que jamais acreditem nas coisas que lhes forem apresentadas como provindas de mim, se eu mesmo não as tiver divulgado. E não me surpreendem de maneira alguma as extravagâncias que se atribuem a todos esses antigos filósofos, cujos escritos não possuímos, nem julgo, por isso, que os seus pensamentos tenham sido muito disparatados, porquanto eram os melhores espíritos de seu tempo, mas apenas julgo que nos foram mal referidos.





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