No entanto, se verificassem tais intrujices e fraudes semelhantes nos acordos e contratos entre particulares, gritariam e pô-las-iam a descoberto, em alta voz e com franzida carantonha, considerando tal crime desprezível e digno de ser punido com uma morte desonrosa. Contudo, são os primeiros a vangloriar-se de ter dado tal conselho aos príncipes.
Poder-se-á, assim, pensar que a justiça é uma virtude plebeia e mesquinha, que rasteja muito abaixo da dignidade dos príncipes, a menos que se distinga duas espécies de justiça: uma, boa para o povo, classe inferior de gente, que caminha de pé descalço e de cabeça baixa, manietada por inúmeros laços, para que não possa sair dos limites estreitos que a cercam; outra para uso dos príncipes, infinitamente mais livre e mais augusta que a outra justiça, para quem nada do que se deseje é proibido.
Estes costumes dos príncipes, que tão deslealmente cumprem as convenções, levaram os Utopianos, creio, a recusar todos os tratados. Talvez mudassem de opinião se vivessem na Europa.
Pensam, porém, que, embora os tratados fossem escrupulosamente cumpridos, o próprio hábito dos tratados está errado na sua origem. Pois levam os povos (como nações que, vivendo separadas apenas por um rio ou por uma colina, se considerassem afastadas e sem qualquer laço natural de sociedade) a considerarem-se mutuamente adversários e inimigos e a julgar possível e lícito que um procure a morte e destruição do outro, se não existir um tratado; no entanto, depois de este concluído, a amizade nem por isso nasce e prospera, permanecendo a pilhagem e o roubo, pois a insensatez dos redactores do tratado não incluiu cláusula suficientemente clara a esse respeito.
Os Utopianos são de opinião contrária, pensam que ninguém deve ser considerado inimigo, a menos que tenha praticado alguma injúria ou injustiça. E que a comunhão na mesma natureza