A Cidade e as Serras - Cap. 8: CAPÍTULO VIII Pág. 134 / 238

cereja. Depois, costeando o velho lagar, a que um bando de pombas branqueava o telhado, deslizámos até ao carreiro, cortado no costado do monte. E andando, pensativamente, o meu Príncipe pasmava para os milheirais, para os vetustos carvalhos plantados por vetustos Jacintos, para os casebres espalhados sobre os cabeços à orla negra dos pinheirais.

De novo penetrámos na avenida de faias e transpusemos o portão, senhorial entre o latir dos cães, mais mansos, farejando um dono. Jacinto reconheceu «certa nobreza» na frontaria do seu lar. Mas sobretudo lhe agradava a longa alameda, assim direita e larga, como traçada para nela se desenrolar uma cavalgada de senhores com plumas e pajens. Depois, de cima da varanda, reparando na telha nova da capela, louvou o Silvério, «esse ralaço», por cuidar ao menos da morada do Bom Deus.

- E esta varanda também é agradável - murmurou ele mergulhando a face no aroma dos cravos. - Precisa grandes poltronas, grandes divãs de verga...

Dentro, na «nossa sala», ambos nos sentámos nos poiais da janela, contemplando o doce sossego crepuscular que lentamente se estabelecia sobre vale e monte. No alto tremeluzia uma estrelinha, a Vénus diamantina, lânguida anunciadora da noite e dos seus contentamentos. Jacinto nunca considerara demoradamente aquela estrela, de amorosa refulgência, que perpetua no nosso Céu católico a memória da deusa incomparável - nem assistira jamais, com a alma atenta, ao majestoso adormecer da Natureza. E este enegrecimento dos montes que se embuçam em sombra; os arvoredos emudecendo, cansados de sussurrar; o rebrilho dos casais mansamente apagado, o cobertor de névoa,

sob que se acama e agasalha a frialdade dos vales; um toque sonolento de sino que rola pelas quebradas; o segredado cochichar das águas e das relvas escuras - eram para ele como iniciações.





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