A casa de D. Diogo de Miranda era vasta, como são sempre as casas da aldeia, com armas esculpidas por cima da porta da rua; a adega era no pátio, e havia muitos cântaros que, por serem de Toboso, acordaram em D. Quixote a memória da encantada e transformada Dulcineia; e, suspirando, sem atender ao que dizia nem ver diante de quem estava, exclamou:
— Ó doces prendas, por meu mal achadas, doces e alegres quando Deus queria.
Ó cântaros tobosinos, que me trouxestes à memória a doce prenda da minha maior amargura!
Ouviu-lhe dizer isto o estudante poeta, filho de D. Diogo, que com sua mãe saíra a recebê-lo, e mãe e filho ficaram suspensos de ver a estranha figura de D. Quixote, que, apeando-se de Rocinante, se dirigiu com muita cortesia à dona da casa a pedir-lhe as mãos para lhas beijar, e D. Diogo disse:
— Recebei, senhora, com o vosso habitual agrado, o senhor D. Quixote de la Mancha, que é esse que aí tendes diante de vós, cavaleiro andante e o mais valente e discreto que o mundo tem.
A senhora, que se chamava D. Cristina, recebeu-o com demonstrações de muito afeto e cortesia, e D. Quixote lhe fez os seus cumprimentos, com razões comedidas e acertadas. Passou-se quase o mesmo com o estudante, a quem D. Quixote, ouvindo-o falar, teve logo por discreto e agudo. Aqui descreve o autor todas as circunstâncias da casa de D. Diogo, pintando-nos o que encerra uma casa de cavaleiro lavrador e rico; mas o tradutor da história entendeu que devia passar em silêncio estas e outras minudências porque não diziam bem com o propósito principal da história, que mais tira a sua força da verdade que das frias digressões.