— Não longe daqui — respondeu o guia — está uma ermida, onde reside um anacoreta, que dizem que foi soldado, e tem fama de ser bom cristão, discreto e caritativo. Junto da ermida tem uma pequena casa, que mandou fazer à sua custa, mas que, apesar de pequena, ainda chega para receber hóspedes.
— Terá galinhas o tal ermitão? — perguntou Sancho.
— Poucos ermitães as deixam de ter — acudiu D. Quixote — porque os de agora já não são como os dos desertos do Egito, que se vestiam de folhas de palmeira e comiam raízes da terra. E não se imagine que por louvar uns, não louvo os outros, mas quero dizer que ao rigor e estreiteza dos antigos não chegam as forças dos modernos; mas por isso não deixam de ser todos bons, e eu, pelo menos, como tais os considero; e, ainda que tudo corra turvo, menos mal faz o hipócrita do que o público pecador.
Estando nesta conversação, viram vir um homem a pé, caminhando apressado e dando verdascadas num macho carregado de lanças e de alabardas. Quando chegou perto deles, cumprimentou-os e passou de largo. D. Quixote disse-lhe:
— Detende-vos, honrado homem, que parece que ides com mais diligência do que esse macho comporta.
— Não me posso demorar, senhor — respondeu o homem — porque as armas, que aqui levo, como vedes, hão-de servir amanhã, e assim é forçoso que me não demore, e adeus. Mas, se quiserdes saber para que as levo, eu tenciono esta noite ir dormir à venda que fica acima da ermida; e, se seguis o mesmo caminho, ali me encontrareis, e eu vos contarei maravilhas.