Dom Quixote de La Mancha – Livro Segundo - Cap. 56: CAPÍTULO LVI - Da descomunal e nunca vista batalha que houve entre D. Quixote de la Mancha e o lacaio Tosilos, em defesa da filha da dona da duquesa, Dona Rodríguez. Pág. 452 / 593
o campo e passeou por ele todo, para que não houvesse engano algum, nem coisa encoberta em que se tropeçasse e caísse; logo entraram as donas e sentaram-se nos seus lugares, cobertas com os mantos até aos olhos, ou antes até aos peitos, com mostras de não pequeno sentimento, estando já D. Quixote presente na estacada. Daí a pouco, acompanhado por muitas trombetas, apareceu por um lado da praça, montado num poderoso cavalo, o lacaio Tosilos, alto e forte, de viseira calada, e todo revestido de uma rija e luzente armadura. O cavalo mostrava ser frisão, era grande e baio, que, a cada patada, fazia tremer a terra. O duque, seu amo, ordenara ao valoroso cavaleiro que, para não matar D. Quixote, evitasse o primeiro encontro, porque era certa a morte do pobre fidalgo, se ele o topasse em cheio. Percorreu a arena e, ao chegar ao sítio onde estavam as donas, pôs-se a mirar um pedaço a que o pedia por esposo; o mestre do campo chamou D. Quixote, e, junto com Tosilos, falou às donas, perguntando-lhes se consentiam que pugnasse pelo seu direito D. Quixote de la Mancha. Disseram-lhe que sim e que tudo quanto fizesse, naquele caso, o davam por bem feito e por firme e valioso. Já a este tempo estavam o duque e a duquesa sentados numa galeria que deitava para a estacada, e onde se apinhava imensa gente, que vinha ver o rigoroso transe nunca visto. Foi condição do combate que, se D. Quixote vencesse, o seu contrário havia de casar com a filha de dona Rodríguez, e, se fosse vencido, ficava livre o seu contendor da palavra que se lhe pedia, sem dar mais satisfação alguma. Repartiu-lhes o sol o mestre de cerimônias, e pôs cada um dos dois no posto em que havia de estar. Soaram os tambores, encheu os ares o clangor das trombetas, tremia a terra debaixo dos pés; estavam suspensos os corações da turba espectadora, receando uns e esperando outros o bom ou mau sucesso daquele caso.