Finalmente, D. Quixote, encomendando-se de todo o coração a Deus Nosso Senhor, e à sua dama Dulcineia del Toboso, estava aguardando que se lhe desse o sinal de arremetida, enquanto o nosso lacaio pensava no seguinte: Parece que, quando esteve contemplando a sua inimiga, achou que era ela a mais formosa mulher que vira em toda a sua vida; e o cego deus travesso, que por essas ruas chamam habitualmente amor, não quis perder a ocasião que se lhe ofereceu de triunfar de uma alma lacaiesca, e de a pôr na lista dos seus troféus; e assim, chegando-se a ele sem que ninguém o visse, despejou no pobre lacaio, pelo lado esquerdo, uma seta de duas varas, e traspassou-lhe o coração de parte a parte; e pôde-o fazer a são e salvo, porque o amor é invisível; entra e sai por onde quer, sem que ninguém lhe peça conta das suas ações. Digo, pois, que, quando deram o sinal da arremetida, estava o nosso lacaio transportado, pensando na formosura daquela que já fizera senhora da sua liberdade; e assim, não atendeu ao som da trombeta, como fez D. Quixote, que, apenas o ouviu, arremeteu logo, correndo com toda a velocidade que Rocinante podia dar; e, vendo-o partir o seu escudeiro Sancho, disse com grandes brados:
— Deus te guie, flor e nata dos cavaleiros andantes! Deus te dê a vitória, pois levas a razão pela tua parte!
Mas Tosilos, apesar de ver vir contra si D. Quixote, não se arredou um passo do seu posto; antes, com grandes brados, chamou o mestre do campo; e, vindo este ver o que ele queria, disse-lhe:
— Senhor, esta batalha não é para eu casar ou não casar com aquela senhora?
— É, sim — responderam-lhe.
— Pois eu — tornou o lacaio — tenho medo da minha consciência, e pesava-me muito se fosse por diante; e assim, digo que me dou por vencido, e que quero casar, já, já, com a queixosa.