A Cidade e as Serras - Cap. 1: CAPÍTULO I Pág. 13 / 238

dos seus bens «que pedia homem mais novo, com pernas mais rijas» - me ordenava que recolhesse à nossa casa de Guiães, no Douro! Encostado ao mármore partido do fogão, onde na véspera a minha Nini deixara um espartilho embrulhado no Jornal dos Debates, censurei severamente meu tio que assim cortava em botão, antes de desabrochar, a flor do meu Saber Jurídico. Depois num post-scriptum ele acrescentava: - «O tempo aqui está lindo, o que se pode chamar de rosas, e tua santa tia muito recomenda, que anda lá pela cozinha, porque vai hoje em trinta e seis anos que casámos, temos cá o abade e o Quintais a jantar, e ela quis fazer uma sopa dourada.»

Deitando uma acha ao lume, pensei como devia estar boa a sopa dourada da tia Vicência. Há quantos anos não a provava, nem o leitão assado, nem o arroz de forno da nossa casa! Com o tempo assim tão lindo, já as mimosas do nosso pátio vergariam sob os seus grandes cachos amarelos. Um pedaço de céu azul, do azul de Guiães, que outro não há tão lustroso e macio, entrou pelo quarto, iluminou sobre a puída tristeza do tapete, relvas, ribeirinhos, malmequeres e flores de trevo de que meus olhos andavam aguados. E, por entre as bambinelas de sarja, passou um ar fino e forte e cheiroso de serra e de pinheiral.

Assobiando um «fado» meigo tirei debaixo da cama a minha velha mala, e meti solicitamente entre calças e peúgas um Tratado de Direito Civil, para aprender enfim, nos vagares da aldeia, estendido sob a faia, as leis que regem os homens. Depois, nessa tarde, anunciei a Jacinto que partia para Guiães. O meu camarada recuou com um surdo gemido de espanto e piedade:

- Para Guiães!... Oh Zé Fernandes, que horror! E toda essa semana me lembrou solicitamente confortos de que eu me deveria prover para que pudesse conservar, nos ermos silvestres, tão longe da Cidade, uma pouca de alma dentro de um pouco de corpo.





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