E foi justamente numa dessas noites (um sábado) que nós passámos, naquele quarto tão civilizado e protegido, por um desses brutos e revoltos terrores como só os produz a ferocidade dos Elementos. já tarde, à pressa (jantávamos com Marizac no Clube para o acompanhar depois ao «Lohengrin» na ópera) Jacinto arrochava o nó da gravata branca-quando no lavatório, ou porque se rompesse o tubo, ou se dessoldasse a torneira, o jacto de água a ferver rebentou furiosamente, fumegando e silvando. Uma névoa densa de vapor quente abafou as luzes - e, perdidos nela, sentíamos, por entre os gritos do escudeiro e do Grilo, o jorro devastador batendo os muros, esparrinhando uma chuva que escaldava. Sob os pés o tapete ensopado era uma lama ardente. E como se todas as forças da Natureza, submetidas ao serviço de Jacinto, se agitassem, animadas por aquela rebelião da água - ouvimos roncos surdos no interior das paredes, e pelos fios dos lumes elétricos sulcaram faíscas ameaçadoras! Eu fugira para o corredor, onde se alargava a névoa grossa. Por todo o 202 ia um tumulto de desastre. Diante do portão, atraídas pela fumarada que se escapava das janelas, estacionava polícia, uma multidão. E na escada esbarrei com um repórter, de chapéu para a nuca, a carteira aberta, gritando sofregamente «se havia mortos?»
Domada a água, clareada a bruma, vim encontrar Jacinto no meio do quarto, em ceroulas, lívido:
- Oh Zé Fernandes, esta nossa indústria!.