Enquanto ele falava, o silêncio era tão profundo que se teria ouvido o som de um alfinete a cair no chão. Mal terminou, abandonou o compartimento, tão abruptamente como entrara. Poderei eu, deverei eu descrever o que sentia? Deverei dizer que senti todos os horrores dos condenados? O certo é que pouco tempo me foi dado para reflectir. Uma série de mãos agarrou-me imediatamente, e as luzes foram novamente acesas. Seguiu-se uma revista à minha pessoa. No forro da minha manga foram encontradas todas as figuras essenciais no écarté e, nos bolsos do meu roupão, uma serie de baralhos, fac-símiles dos utilizados nas nossas partidas, com a única excepção de os meus serem do tipo que tecnicamente se designa por arrondées, com as figuras e os ases ligeiramente convexos nos cantos e as cartas mais baixas levemente côncavas dos lados. Com esta disposição, a vítima, ao cortar, como de costume, no sentido do comprimento do baralho, fá-lo-á evidentemente dando uma figura ou às ao adversário, enquanto o batoteiro, cortando no sentido da largura, certamente nunca cortará nada para o objecto da sua trapaça que possa valer alguma pontuação para o jogo.
Qualquer explosão de indignação após esta descoberta me teria afectado menos do que o silencioso desprezo ou a sarcástica compostura com que ela foi acolhida.