A Origem da Tragédia - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 88 / 164

Em todo caso acreditava Eurípides perceber uma inquietação estranha no espectador durante estas primeiras cenas, para resolver o problema dos antecedentes, de maneira que ele perdia as belezas poéticas e o pathos da exposição. É por isso que ele colocou o prólogo diante da exposição, colocando-o na boca de uma pessoa que podia merecer a confiança de todos; uma divindade garantia muitas vezes ao público o desenrolar da tragédia, e libertava-o de qualquer dúvida sobre a realidade do mito; semelhantemente à atitude de Descartes, que somente conseguira provar a realidade do mundo empírico pela apelação à veracidade de Deus e sua incapacidade de mentir. A mesma veracidade divina é necessitada mais uma vez por Eurípides no final de seu drama, para assegurar ao público o futuro de seus heróis. É esta a função do afamado Deus ex machina. Entre a visão prévia épica e a visão final, está situada a atualidade dramático-lírica, o “drama” propriamente dito.

Conforme vimos, é Eurípides como poeta, antes de tudo mais o eco de seus co­nhe­ci­men­tos ad­qui­ri­dos cons­cien­te­men­te; e é isto pre­ci­sa­mente o que lhe concede um posto tão notável na história da arte grega. Ele deve ter-se sentido frequentemente, com relação a seu labor crítico-produtivo, como se devesse dar vida ao começo da dissertação de Anaxágoras sobre o drama, cujas palavras iniciais são: “No começo tudo estava reunido; então veio a inteligência e colocou tudo em ordem”. E assim como Anaxágoras aparecia com seu “nous” entre os filósofos como o primeiro sóbrio entre os ébrios, assim também Eurípides deve ter entendido as suas relações com os outros poetas da tragédia sob um prisma semelhante. Enquanto o único ordenador e guarda do Todo Universal — a nous — ainda era excluída do labor artístico, estava tudo reunido numa mescla caótica; assim devia julgar Eurípides, assim ele devia condenar os poetas “ébrios”, sendo o primeiro “sóbrio”.





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