O Pai Goriot - Cap. 1: O PAI GORIOT Pág. 113 / 279

- Não seja criança, no entanto, se isso o pode divertir, revoltai-vos, dai-me para trás! Dizei que eu sou um infame, um pérfido, um malandro, um bandido, mas não me chameis nem vigarista, nem espião! Vá, dizei, largai a chuva de injúrias! Vou perdoá-lo, é tão natural na sua idade! Já fui assim! No entanto, reflecti. Um dia ainda fará pior. Irá cortejar uma mulher qualquer e receberá dinheiro. Já pensou nisso! - disse Vautrin. - Pois como vencer se não vender o seu amor? A virtude, meu caro estudante, não se fracciona: é ou não é. Falam-nos de pregar as nossas faltas. Mais um belo sistema esse em virtude do qual estamos perdoados de um crime com um acto de contrição! Seduzir uma mulher para conseguir chegar a determinado escalão social, lançar a discórdia entre os filhos de uma família, enfim todas as infâmias que se praticam debaixo do calor de uma lareira ou de outra forma para conseguir um prazer ou por interesse pessoal, pensa que são actos de fé, de esperança e de caridade? Porquê dois meses de prisão para o dândi que, numa noite, tira a uma criança metade da sua fortuna, e porquê a prisão perpétua para o pobre infeliz que rouba uma nota de 1000 francos com todos os agravantes do código? Eis as leis. Não há artigo que não se torne absurdo. O homem de luvas e palavras bonitas cometeu assassinatos em que não se deita sangue, mas se dá; o assassino abriu uma porta com um pé-de-cabra: duas coisas nocturnas! Entre o que lhe proponho e o que fará um dia, só o sangue está a menos. Acredita em algo de fixo neste mundo! Menosprezai mais os homens, e vede as malhas por onde se pode passar entre a rede do código. O segredo das grandes fortunas sem causa aparente é um crime esquecido, porque foi feito de forma limpa.

- Silêncio, senhor, não quero ouvir mais nada, acabaria por me fazer duvidar de mim próprio.





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