- Meu filho, se ensopaste as tuas mãos no sangue do rei mártir, confia em mim. Não há pecado que aos olhos de Deus não possa delir-se com um arrependimento tão tocante e sincero como o teu.
Mal o eclesiástico pronunciou as primeiras palavras, o desconhecido deixou transparecer um movimento de terror involuntário; mas logo voltou a ficar calmo e olhou com segurança o padre, surpreendido:
- Padre - disse-lhe ele, numa voz visivelmente alterada -, ninguém há mais inocente do que eu do sangue derramado...
- Não devo deixar de acreditar em ti - disse o padre.
Fez uma pausa, durante a qual examinou o seu penitente dos pés à cabeça; depois, teimando em tomá-lo por um desses temerosos convencionais que sacrificaram uma cabeça inviolável e sagrada para conservarem a própria, continuou, em voz grave:
- Ficai certo, meu filho, que não basta, para se ser, absolvido deste grande crime, não ter cooperado nele. Aqueles que, tendo podido defender o rei, deixaram a sua espada na bainha, terão contas muito pesadas a prestar ao Rei dos Céus... Oh! sim - acrescentou o velho padre, agitando a cabeça da direita para a esquerda, num movimento expressivo -, sim, muito pesadas, pois, ficando ociosos, tornaram-se cúmplices involuntários dessa espantosa malvadez...
- Acha então - perguntou o desconhecido estupefacto - que uma participação indirecta será castigada?... O soldado que foi mandado alinhar nas fileiras é culpado?...
O padre ficou indeciso. Feliz pelo embaraço em que colocava aquele puritano da realeza posto entre o dogma da obediência passiva que, segundo os partidários da monarquia, deve dominar os códigos militares, e o dogma, não menos importante, que consagra o respeito devido à pessoa dos reis, o desconhecido deu-se pressa em ver na hesitação do sacerdote uma solução favorável às dúvidas que pareciam atormentá-lo.