Um Episódio no Tempo do Terror - Cap. 1: UM EPISÓDIO NO TEMPO DO TERROR Pág. 17 / 21
- Teria vergonha de vos oferecer um salário qualquer pelo serviço fúnebre que acabais de celebrar pelo repouso da alma do rei e para tranquilidade da minha consciência. Só se pode pagar uma coisa sem preço com uma dádiva sem preço também. Aceitai, pois, senhor, a oferta que vos faço de uma santa relíquia... Um dia virá, talvez, em que possais compreender o seu valor.
Ao dizer estas palavras, o desconhecido apresentou ao eclesiástico uma caixinha muito leve; o padre pegou nela involuntariamente, por assim dizer, pois a solenidade das palavras daquele homem, o tom que pusera ao dizê-las e o respeito com que segurava a caixinha mergulharam-no numa profunda surpresa. Penetraram então no quarto onde as duas religiosas os aguardavam.
- Habitais - disse-lhes o desconhecido - numa casa cujo proprietário, Mucius Scaevola, o estucador que vive no primeiro andar, é célebre na secção pelo seu patriotismo; mas, secretamente, mantém-se fiel aos Bourbons. Foi outrora picador do príncipe de Conti, e a ele deve tudo quanto tem; Se não sairdes de casa, estais aqui em maior segurança que em qualquer outro local da, França. Continuai. Almas piedosas velarão pelas vossas necessidades, e podereis aguardar sem perigo tempos menos duros. Dentro de um ano; a 21 de Janeiro... (ao pronunciar estas últimas palavras não pôde ocultar um movimento involuntário), se adoptardes esta triste casa para asilo, virei celebrar convosco nova missa expiatória...
Não acabou. Cortejou os mudos habitantes do sótão, relanceou um derradeiro olhar aos sintomas que testemunhavam a sua indigência, e desapareceu.
Para as duas inocentes religiosas, semelhante aventura tinha o interesse de um verdadeiro romance; por isso, logo que o venerável abade lhes falou no misterioso objecto tão solenemente oferecido por aquele homem, a caixa foi colocada por elas em cima da mesa, e os três rostos, inquietos, debilmente iluminados pela candeia, denunciaram uma indiscritível curiosidade.