Dom Quixote de La Mancha – Livro Segundo - Cap. 16: CAPÍTULO XVI - Do que sucedeu a D. Quixote com um discreto cavaleiro da Mancha. Pág. 123 / 593
E não penseis, senhor, que chamo aqui vulgo somente à gente plebeia e humilde, que todo aquele que não sabe, ainda que seja senhor e príncipe, pode e deve ser contado entre o vulgo; e assim, quem cuidar a poesia com estes requisitos, terá fama e nome estimado em todas as nações civilizadas do mundo. E enquanto ao que dizeis, senhor, de vosso filho não ter em grande estima a poesia castelhana, entendo que não anda nisso com muito acerto, e a razão é esta: o grande Homero não escreveu em latim, porque era grego; nem Virgílio escreveu em grego, porque era latino. Enfim, todos os poetas antigos escreveram na língua que beberam com o leite e não foram procurar os idiomas estrangeiros para manifestar a alteza dos seus conceitos; e, sendo isto assim, era razoável que este costume se estendesse por todas as nações, e que se não menosprezasse o poeta alemão que escreve na sua língua, nem o castelhano, nem o próprio biscainho que escreve na sua; mas vosso filho, senhor, ao que imagino, não estará de mal com a poesia moderna, mas sim com os poetas que são meros versejadores castelhanos, sem saberem outras línguas, nem outras ciências que adornem, despertem e auxiliem o seu natural impulso; e ainda nisto pode haver erro, porque, segundo opiniões sensatas, o poeta nasce poeta, e com essa inclinação que o céu lhe deu, sem mais estudo nem artifício, compõe coisas que fazem verdadeiro quem disse: est Deus in nobis. Também digo que o poeta natural, que se auxiliar com a arte, se avantajará muito ao poeta que só por saber a arte o quiser ser. O motivo disto é que a arte não vence a natureza, mas aperfeiçoa-a; de forma que a natureza e a arte, mescladas, produzirão um perfeitíssimo poeta. Em conclusão, senhor fidalgo, entendo que Vossa