livros dos referidos poetas e com os de Horácio, Pérsio, Juvenal e Tíbulo; que dos modernos não faz muito caso; e, apesar de ter tanto desdém pela moderna poesia espanhola, está agora todo empenhado em glosar quatro versos que lhe mandaram, de Salamanca, e suponho que é coisa de justa literária.
— Os filhos, senhor — respondeu D. Quixote — são pedaços das entranhas de seus pais, e sejam bons ou maus, sempre se lhes há-de querer como às almas que nos dão vida; aos pais cumpre encaminhá-los desde pequenos pela senda da virtude, da boa criação e dos bons e cristãos costumes, para que sejam bordão da velhice de seus pais e glória da sua posteridade, quando forem crescidos; e enquanto a forçá-los que estudem esta ou aquela ciência não o tenho por acertado, ainda que o persuadir-lho não será danoso; e, quando não se tem de estudar para pane lucrando, sendo o estudante tão venturoso, que recebesse do céu pais que lhe deixem haveres, seria eu de parecer que o não impedissem de seguir a ciência para que se inclina, e ainda que a da poesia é menos útil do que deleitosa, não é das que desonram os que a possuem. A poesia, no meu entender, senhor fidalgo, é como uma donzela meiga, juvenil e formosíssima, que se desvelam em enriquecer, polir e adornar outras muitas donzelas, que são todas as outras ciências, e todas com ela se hão-de autorizar; mas esta donzela não quer ser manuseada, nem arrastada pelas ruas, nem publicada nas esquinas das praças, nem pelos desvãos dos palácios. É feita por uma alquimia de tamanha virtude, que quem souber tratá-la pode mudá-la em ouro puríssimo; não a há-de deixar correr quem a tiver por torpes sátiras e desalmados sonetos; não se há-de vender de nenhum modo, a não ser em poemas heroicos, em lamentáveis tragédias ou em comédias alegres e artificiosas; não se há-de deixar tratar pelos truões, nem pelo vulgo ignorante, incapaz de conhecer nem de estimar os tesouros que nela se encerram.