— Isso não — respondeu Sancho — um bom governador deve estar em casa, de perna partida; seria muito bonito virem os negociantes procurá-lo, afadigados, e ele no monte a divertir-se; assim, em má hora andaria o governo. Por minha fé, senhor, a caça e os passatempos mais devem ser para os folgazãos do que para os governadores: o meu entretenimento consistirá em jogar pelas Páscoas, nos domingos e dias santos, algum jogo caseiro, que lá isso de caças não dizem bem com a minha condição, nem se acomodam com a minha consciência.
— Praza a Deus que assim seja, Sancho, porque do dizer ao fazer vai grande distância.
— Haja lá a distância que houver; o bom pagador não teme dar penhor; e mais faz quem Deus ajuda, que quem muito madruga; e as tripas é que levam os pés, não são os pés as tripas; quero dizer que, se Deus me ajudar e eu fizer o que devo com boa intenção, hei-de governar melhor que um gerifalte, e senão metam-me o dedo na boca e verão se eu mordo.
— Maldito sejas, por Deus e por todos os santos, Sancho amaldiçoado — acudiu D. Quixote — quando virá o dia, como já por muitas vezes tenho dito, em que eu te ouça expender, sem provérbios, razões correntes e concertadas? Deixem vossas grandezas este tonto, senhores meus, se não querem que ele lhes moa as almas com dois mil rifões despropositados.
— Os rifões de Sancho — disse a duquesa — não sendo mais do que os do comentador grego, nem por isso são menos estimados, pela verdade das sentenças; eu, por mim, digo que os prefiro a outros quaisquer, ainda que esses outros venham mais a propósito.