— Isso é que se chama ser entendedor — respondeu o da Selva — exatamente daí é que é, e tem alguns anos de antiguidade!
— Ah! tenho bom faro — tornou Sancho — nisto de vinhos, basta que eu cheire qualquer, e logo lhe acerto com a pátria, com a linhagem, com o sabor, com a duração, e com as contas que há-de dar. Mas não admira, que eu tive na minha linhagem, por parte de meu pai, os dois maiores entendedores que tem havido na Mancha; e como prova, eu lhe vou dizer o que lhes sucedeu.
Deram-lhes a provar o vinho dum tonel, perguntando-lhes o seu parecer a respeito do estado, qualidade, bondade ou maldade do vinho. Um provou-o com a ponta da língua, o outro só o chegou ao nariz. O primeiro disse que o vinho sabia a ferro, o segundo, que sabia a couro. Respondeu o dono que o tonel estava limpo, e que o tal vinho não tinha adubo algum donde lhe viesse o gosto do couro, ou do ferro. Com tudo isto, os dois famosos provadores afirmaram o que tinham dito. Correu o tempo, vendeu-se o vinho, e ao limpar-se o tonel, acharam dentro uma pequena chave, pendente duma correia: veja Vossa Mercê se quem descende desta raleia, poderá ou não dar o seu parecer em semelhantes coisas.
— Por isso digo — tornou o da Selva — que nos deixemos de ir à cata de aventuras, e já que temos sardinha não andemos à busca de peru, e voltemos para as nossas choças, que lá nos encontrará Deus, se quiser.
— Enquanto meu amo não chega a Saragoça, hei-de servi-lo; depois nos entenderemos a esse respeito.
Enfim, tanto falaram e tanto beberam os bons dos escudeiros, que foi preciso que o sono lhes atasse as línguas, e lhes acalmasse a sede, que lá matar-lha era impossível,