E, levantando-se, voltou daí a pedaço com uma grande borracha de vinho, e uma empada de meia vara.
— Vossa Mercê traz isto consigo, senhor? — perguntou Sancho.
— Pois que pensava? — respondeu o outro — Tomava-me por algum escudeiro de pão e água?
Trago melhor repasto nas ancas do meu cavalo do que um general em viagem.
Comeu Sancho sem se fazer rogado e, como estava às escuras, engulia cada bocado, que era de embatocar.
— Vossa Mercê sim, que é escudeiro fiel e leal — disse ele — magnífico e grande, que, se não veio aqui por artes de encantamento, parece-o pelo menos, e não como eu, mesquinho e desventurado, que só trago nos meus alforjes um pedaço de queijo tão duro, que podem escalavrar com ele a um gigante, e fazem-lhe companhia quatro dúzias de alfarrobas, e outras tantas de avelãs e nozes, graças à estreiteza de meu amo, e à opinião que tem e sistema que segue, de que os cavaleiros andantes só se hão-de manter e sustentar de frutas secas e ervas do campo.
— Por minha fé, irmão — redarguiu o da Selva — eu não tenho o estômago afeito a essas comidas singelas; sigam nossos amos as suas opiniões e leis cavaleirescas, e comam o que elas mandarem; eu cá por mim trago fiambres e borrachas penduradas do arção da sela, pelo sim pelo não; e sou tão devoto seu, e quero-lhe tanto, que a cada instante lhe estou a dar mil beijos e abraços.
E dizendo isto, pôs a borracha na mão de Sancho, que, empinando-a e pondo-a à boca, esteve contemplando as estrelas um bom quarto de hora; quando acabou de beber, deixou cair a cabeça para o lado, e, dando um grande suspiro, disse:
— Ó grande patife! que católico que ele é!
— Vede como louvastes o vinho, chamando-lhe patife! — observou o da Selva.
— Confesso — disse Sancho — que não é desonra chamar patife a ninguém, quando é com ideias de o louvar.