A Utopia - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 131 / 133

desapareceriam no momento em que o dinheiro desaparecesse. E que mesmo o medo, o pesar, os cuidados, as dores, as vigílias, pereceriam no mesmo instante? E a própria pobreza, se o dinheiro não existisse, diminuiria e acabaria por se extinguir.

Eis o exemplo claro desta afirmação:

Suponham um ano mau e estéril, em que milhares de pessoas morreram de fome. Atrevo-me a dizer que, no fim-dessa época de fome, se encontraria, se se tivesse procurado, nos celeiros dos ricos, tal quantidade de provisões que, divididas entre os que morreram de inanição, ninguém teria sentido os efeitos da escassez. Vedes, pois, que, sem esse senhor omnipotente, o dinheiro, todos teriam o sustento garantido, sem que o dinheiro se interpusesse entre nós e a subsistência, como uma chave que, em vez de nos abrir as portas da abundância; as fecha.

Estou certo que os próprios ricos compreendem isto e que não ignoram que vale muito mais ter sempre o necessário do que ter em abundância o supérfluo; mais vale estar liberto de inúmeros cuidados que cercado de grandes riquezas. E não duvido que quer o respeito pelo bem individual, quer a autoridade da palavra divina de Cristo (cuja bondade e sabedoria apenas nos pode aconselhar ao bem), há muito teriam trazido os homens para a obediência de leis semelhantes às da república utopiana se não fora o orgulho, senhor e pai de todo o mal.

O orgulho não mede a felicidade pelo bem-estar pessoal, mas pelos sofrimentos e desgraças dos outros. Nem seria o que é se deixasse de haver desgraçados a quem pudesse insultar, escarnecer e dominar, sobre cujas misérias brilhar pudesse e cuja pobreza não conseguisse atormentar, vexar e aumentar com a ostentação das suas riquezas. Este demónio infernal insinua-se no coração dos homens, afasta-os do caminho recto e de tal modo se agarra a eles que não mais é possível arrancá-lo.





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