Maria Moisés - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 11 / 86

No momento em que transpunha o portelo, com o embaraço do peso e do estorvo que lhe fazia o vestido molhado, teve de colher as saias com a mão esquerda; e, neste lance, sentiu nas costas da mão um contacto de líquido quente com fartum enjoativo de sangue. Então pensou que ela estivesse ferida, e perguntou:

– Tu feriste-te, Josefa?

Ela não respondeu, nem gesticulou levemente. Os braços pendiam inertes ao longo das costas do moleiro, e a cabeça balançava maquinalmente conforme os movimentos variados que ele lhe dava ao corpo, ajeitando-o para saltar a parede escadeada. Vencida a dificuldade, e conseguindo assentar o pé no trilho pedregoso, por onde viera, sentou-se esbofado no respaldo de uma fraga; e, como gelado do terror do cadáver que lhe parecia resfriar nos braços, tremia, descendo do ombro para o regaço a mulher que efectivamente estava morta.

Chamou-a, agitou-a, invocou as almas à míngua dos recursos humanos; e, encostando-a à ribanceira, enxugava com a rama de fetos secos o suor que lhe gotejava das faces ao peito.

Poucos minutos depois, João da Laje, o vigário e outras pessoas, atraídas pela curiosidade ou pela compaixão, desciam a cangosta do Estêvão com fachos de palha acesos. A Brites do Eirô, que os vira passar, ajuntou-se ao grupo dizendo que, ao toque das Trindades, tinha visto Josefa saltar para o campo da Lagoa e meter para o lado do rio, com o saiote pela cabeça.

Na extrema da viela encontraram o Luís moleiro sentado à beira de Josefa que, vista à luz dos archotes, parecia viva porque tinha os olhos abertos.





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