Maria Moisés - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 15 / 86

– Foi você, padre!

– Não me diga isso nem a rir! – acudiu o teólogo com semblante mortificado.

– Estou a brincar, padre Bento. Sei quem é o meu amigo; sabe-o toda a gente; mas conte-me essa história se confia em mim.

– Lembre-se que essa pobre mulher ainda está quente na terra. Conversaremos outro dia.

 O minorista ergueu-se, quis despedir-se de João da Laje, que se fechara na adega com a sua dor, e saiu acompanhado do escrivão, que o não largou até lhe arrancar o segredo às relutâncias do escrúpulo. O futuro presbítero compreendia cristãmente o dever da caridade; mas, vencido pela pertinácia do amigo, disse o que sabia, encarecendo o melindre da revelação. Sumariamente contou o seguinte:

Que Josefa, quando foi exorcismar-se à capela de S. Bartolomeu, a Cavez, não tinha no corpo o espírito imundo; e acrescentou entre parêntesis que não duvidava da existência de demónios súcubos e íncubos.

E demonstrou que havia obsessos, autorizado com S. Gregório, Santo Anastásio, Santo Hilarião, que lutou com eles em forma de mulheres. O escrivão replicava que todos os homens eram Hilariões, e cada qual era o demónio de si mesmo; porém não citava autor digno de crédito; toda a sua erudição neste importante assunto era um fragmento de má e velha poesia francesa que dizia assim:

On se livre à la volupté

Parce qu’elle flatte et qu’on l’aime;

Et si du diable on est tenté,

Il faut dire la vérité:

Chacun est son diable à soi-même.





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