Maria Moisés - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 18 / 86

Josefa não fora caluniada pelo escrivão, quando ele lhe malsinou a inocência nos sinceirais da Ínsua. Uma coisa verdadeira, que os maus homens quase sempre têm, é a crítica mordaz dos costumes. Percebem e farejam os actos mais abscônditos da sociedade, como se a sociedade fosse a obra deles.

As pessoas cândidas e boas vivem constantemente logradas, e andam tão vendidas nesta feira de pecados como o Serafim do auto de Gil Vicente. Enlevadas no especulativo, pairando ao de cima destas ambulâncias em que todos gememos amputados na alma ou no corpo, quando cuidam que é virtude e resguardo a ignorância das coisas mundanais, vem o Mercúrio do poeta jogralesco de D. Manuel, e diz-lhes:

Muitos presumem saber

As operações dos céus,

E que morte há-de morrer,

E o que há-de acontecer

Aos anjos e a Deus,

E ao mundo e ao diabo.

E o que sabem tem por fé;

E eles todos em cabo

Terão um cão pelo rabo

E não sabem cujo é.





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