Maria Moisés - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 53 / 86

Disse que, na qualidade de desembargador, lavraria a sentença de morte dos portugueses que militavam na França com o tigre da Córsega. Citou os generais portugueses que deviam ser enforcados; e, num rapto de vidente, exclamou:

– Quem viver dez anos há-de ver caída a Inquisição, ó senhor cónego!

– Deixá-la cair – disse o padre.

– Deixá-la cair? E a fé?

– Qual fé? A estátua que está no frontal da Inquisição no Rossio? Deixá-la cair também, contanto que nenhum de nós esteja debaixo.

– Falo na fé, no dogma, senhor cónego!

– Ah! Isso é outra coisa... Cuidei que me falava da Fé de pedra, senhor desembargador.

 

 

Este cónego, cujo retrato eu vi há dias, em Braga, na galeria dos benfeitores do Hospital de S. Marcos, não era, como se vê, um estrénuo defensor do Santo Ofício, nem acreditava nas invencionices de Bernardo de Brito, mas dava aos pobres inválidos e enfermos parte de suas rendas, e estimulava, como há pouco presenciámos, a caridade dos seus hospedeiros amigos, em benefício da enjeitada. Folguei de ver aquele ridente aspeito em que reluzem uns olhos sagazes, posto que já desvidrados pelo puir dos setenta anos.





Os capítulos deste livro