Maria Moisés - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 6 / 86

– Arrenego-te eu! Este homem está vestido e calçado no inferno! – murmurou a tia Brites, erguendo-se indignada, benzendo-se de ombro a ombro, e do alto da cabeça ao umbigo.

– Que está você a rosnar, mulher! Que este rapazelho seja parvo, tem desculpa; mas você, com mais de setenta anos na carcaça, já tinha tempo de ter juízo nesses cascos. Você já viu almas, ó criatura?

– A mim não me empecem, graças a Deus! – respondeu Brites com desvanecimento. – Elas bem sabem com quem se metem.

– Não se metem no seu corpo? Pudera... – redarguiu o veterano sempre risonho. – Eu, se fosse alma penada, topando com você, desatava a fugir. A alma que se metesse nesse corpo devia sair suja como a ratazana dum cano.

– Vai-te, vai-te, jacobino; cruzes, diabo, cruzes! – exorcismou a tia Brites com dois dedos em cruz, e meteu-se em casa às arrecuas. 

– É o que te digo, rapaz. Deixa lá asnear o povo. Olha se te guardas de alguma sacholada do teu amo, que das almas do outro mundo te livro eu.

O moleiro ia conversando com o pastor pela pedregosa cangosta do Estêvão. Apesar das palavras animadoras do veterano, o rapaz, ao passar nos lanços mais escuros do pedregal, ia orando mentalmente fragmentos da Cartilha. Os vaga-lumes fosforeavam entre os silvedos, e às vezes um melro assustado batia as asas na ramagem das sebes. O pastor então maquinalmente agarrava-se ao braço do moleiro, que lhe metia a riso a covardia.





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