Existia uma das fantasmagóricas concepções do meu amigo que não compartilhava tão rigidamente do espírito de abstracção, que pode ser esboçada, ainda que debilmente, em palavras: uma pequena pintura que representava o interior de uma cave ou subterrâneo rectangular e muitíssimo longo, de paredes baixas, polidas, brancas e sem qualquer interrupção ou ornamento. Certos aspectos acessórios do desenho transmitiam eloquentemente a ideia de que esta galeria se situava a uma enorme profundidade sob a superfície da terra. Não se observava qualquer saída em nenhuma parte da sua ampla extensão, e não se distinguia qualquer archote ou outra fonte de luz artificial; contudo, um feixe de raios intensos atravessava-a em toda a extensão e dava ao conjunto um fulgor fantástico e incongruente.
Falei já do mórbido estado do nervo auditivo que tornava toda e qualquer música intolerável ao enfermo, à excepção de certos efeitos de instrumentos de cordas. Eram porventura os estreitos limites a que ele se confinava na guitarra que davam origem, em grande parte, ao carácter fantástico das suas execuções. Mas já a ardente facilidade dos seus impromptus (improvisos) não podia explicar-se da mesma maneira. Devia estar, e realmente estava, nas notas, bem como nas letras das suas estranhas fantasias (visto que era vulgar ele acompanhar a música com versos improvisados), o resultado desse intenso domínio mental e dessa concentração que anteriormente referi como observáveis apenas em determinados momentos de maior excitação artificial.