Ligeia - Cap. 1: Ligeia Pág. 15 / 20

Sentira qualquer objecto palpável, se bem que invisível, roçar-me, e vira sobre o tapete de ouro precisamente no centro do clarão projectado pelo turíbulo, uma sombra - uma sombra ténue, indefinida, de aspecto angelical-, como poderia imaginar-se a sombra de uma Sombra. Porém, encontrando-me submetido a uma grande excitação por virtude de uma imoderada dose de ópio, pouca importância atribui a qualquer desses factos, nem tão-pouco os referi a Rowena. Encontrando o vinho, voltei a atravessar o quarto e enchi um cálice, que levei aos lábios da dama que desfalecia. Estava já um tanto recomposta, porém, e ela própria tomou o cálice nas mãos, enquanto eu me afundava numa otomana próxima, com os olhos cravados na sua pessoa. Foi então que me apercebi distintamente de um débil som de passos no tapete, junto ao leito; e, um segundo depois, quando Rowena levava o vinho aos lábios, vi, ou terei sonhado que via, cair no cálice, como se de qualquer fonte invisível na atmosfera do quarto, três ou quatro grandes gotas de um líquido brilhante e cor de rubi. Se tal vi, outro tanto não aconteceu a Rowena; ingeriu o vinho sem hesitação e eu abstive-me de falar-lhe de uma circunstância que, no fim de contas, pensei não passar de sugestão de uma imaginação ardente que os terrores da dama, o ópio e a hora do dia tornavam morbidamente activa. Não obstante, foi-me impossível deixar de notar, imediatamente após a queda das gotas cor de rubi, um rápido agravamento do estado da minha mulher; de tal maneira que, na terceira noite subsequente, as mãos das suas servas a prepararam para o túmulo e na quarta me sentei a sós, junto do seu corpo amortalhado, naquele fantasmagórico aposento que a recebera como minha esposa. Diante de mim adejavam, como sombras, estranhas visões geradas pelo ópio.




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