A Origem da Tragédia - Cap. 19: Capítulo 19 Pág. 109 / 164

Todos os possíveis esforços, excitações e externações do desejo, todos os acontecimentos que se passam no interior do homem, que a sabedoria faz encerrar no amplo conceito negativo sentimento, podem ser expressos pela imensa quantidade de melodias, sempre, porém, na generalidade de forma pura, sem a matéria, sempre segundo o em-si, para assim dizer a alma mais íntima da mesma, sem corpo. Em virtude desta relação estreita, existente entre a música e o ser verdadeiro de todas as cousas, torna-se explicável, também que, quando ressoa uma música apropriada para qualquer cena, ação, acontecimento, circunstância, esta nos parece revelar o sentido mais secreto, apresentando-se-nos como o comentário mais certo e mais claro, de tal maneira que aquele que se entrega totalmente à impressão de uma sinfonia, julga ver passar diante de si todos os possíveis acontecimentos da vida e do mundo. Mesmo assim ele não pode, refletindo, indicar uma parecença entre aquela sequência de sons e o que ele tinha presente em espírito. Pois, conforme disse, a música se diferencia de todas as outras artes em não ser a imagem do fenômeno, ou melhor, da objetividade adequada da vontade, mas sim a imagem da vontade propriamente dita, representando por isso para todo o físico do mundo o metafísico, para todo o fenômeno a cousa em si. Poder-se-ia denominar, de acordo com o exposto, o mundo tanto música corporificada, quanto vontade corporificada; sendo explicável por isto como a música faz ressaltar com significação mais elevada todo quadro e toda cena da vida verdadeira e do mundo; naturalmente tanto mais quanto mais análoga é a sua música ao espírito interior do fenômeno dado. Nisto baseia-se o fato de poder subordinar-se à música uma poesia como canto, ou uma representação contemplativa como pantomima, ou ambas como ópera.




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