A Origem da Tragédia - Cap. 26: Capítulo 26 Pág. 156 / 164

Aquela ruína da tragédia foi, ao mesmo tempo, a ruína do mito. Até lá se sentiram os gregos, involuntariamente, obrigados a unir tudo que sucedia com seus mitos, somente o entendendo mediante esta união. Foi por isto, também, que a atualidade mais próxima deveria parecer-lhes imediatamente sub specie aeterni, e, em certo sentido, como intemporal. Nesta corrente da intemporalidade, porém, se banhava tanto o estado quanto a arte, para nela encontrar sossego, isolando-se da avidez e da cobiça do momento. E o valor de um povo é justamente tanto — como também o valor de um homem — quanto pode imprimir o selo da eternidade em seus sucessos, porque com isto está como que desprendido do mundo, demonstrando estar intimamente convencido da relatividade do tempo e do valor verdadeiro, isto é, metafísico da vida. O contrário sucede quando o povo principia a entender-se historicamente, destruindo os baluartes míticos que se acham em seu redor. Com isto acha-se geralmente relacionados uma secularização determinada, um rompimento com a metafísica inconsciente de sua existência anterior e todas as consequências éticas. A arte grega, e principalmente a tragédia grega, susteve a destruição do mito; foi necessário destruí-las para, livre do solo pátrio, poder viver desenfreadamente na selvageria do pensamento, da moral e da ação. Ainda agora tenta proporcionar-se aquele impulso metafísico uma forma de transfiguração, conquanto que enfraquecida, no socratismo da ciência que impele à vida; mas, nas esferas inferiores, este impulso não levou senão a uma procura febril, que se perdeu, pouco a pouco, num pandemônio de mitos e superstições colhidas em toda parte, entre os quais se situava, intranquilo, o heleno, até que conseguiu, como Gréculo, pôr uma máscara de alegria grega e leviandade grega a esta febre, ou entorpecer-se totalmente com qualquer superstição oriental.




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