— Não, decerto, Sancho amigo — acudiu o duque — que eu, em nome do senhor D. Quixote, vos confiro o governo duma que tenho agora vaga.
— Ajoelha, Sancho — bradou D. Quixote — e beija os pés de Sua Excelência, pela mercê que te fez.
Obedeceu Sancho; e, vendo isto o eclesiástico, levantou-se da mesa, muito enfadado, dizendo:
— Pelo hábito que visto, estou em dizer que Vossa Excelência ensandeceu como estes pecadores; vede se eles não hão-de ser doidos, quando os ajuizados lhes aprovam as loucuras: fique-se Vossa Excelência com eles, que, enquanto estiverem cá por casa, ficarei eu na minha, e dispensar-me-ei de repreender o que não me é possível remediar.
E, sem dizer mais palavra, nem comer mais bocado, foi-se embora, sem que pudessem detê-lo os rogos dos duques; é verdade também que o duque não pôde insistir muito; estava sufocado de riso, por causa da sua impertinente cólera. Acabou de rir, e disse para D. Quixote:
— Vossa Mercê, senhor cavaleiro dos Leões, respondeu por si tão nobremente, que tirou plena satisfação deste agravo, se agravo se lhe pode chamar, porque os eclesiásticos, da mesma forma que as mulheres, não podem ofender ninguém, como Vossa Mercê muito bem sabe.
— Assim é — respondeu D. Quixote; — quem não pode ser ofendido, a ninguém pode ofender. As mulheres, as crianças e os eclesiásticos não podem defender-se: não podem ser afrontados, porque entre o agravo e a afronta há a seguinte diferença: a afronta só vem da parte de quem a pode fazer e a faz e a sustenta; o agravo, esse pode vir de qualquer parte, sem que afronte.